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Jornalismo colaborativo: o cidadão repórter e a alteração do processo jornalístico

Page history last edited by PBworks 15 years, 4 months ago
Introdução
 
As pessoas querem falar. E agora elas podem. O jornalismo colaborativo na internet mudou uma estrutura da comunicação que se enraizou em seu processo e tornou-se, com o passar do tempo, tradicional: a comunicação feita por poucos e consumida por muitos. A popularização dos computadores e, conseqüentemente, da comunicação digital e em rede desse meio, trouxe à tona a possibilidade de um jornalismo colaborativo, no qual o usuário-interagente é construtor dos fatos. Portanto, o momento atual é onde vemos a prática colaborativa alterada, transformando o modelo habitual das redações. Para Ana Maria Branquilla: “o que o jornalismo colaborativo vem provocar é uma instabilidade em um modelo restritivo, instabilidade esta, que começa pela interação de dois pólos, até então opostos, do processo comunicacional midiático: o jornalista e o leitor/ ouvinte/ espectador” (BRANQUILLA 2005). O jornalismo colaborativo traz a idéia de produção e publicação de notícias na rede por qualquer usuário conectado. De modo simples, é o chamado open source da prática jornalística em conjunto, conhecido por diferentes nomes, como jornalismo colaborativo, comunitário ou cidadão.
 
Sem dúvida, a “cultura da liberdade”, tendência social em ascensão, principalmente nos EUA a partir dos anos 60, e o surgimento da técnica, no mesmo país, a partir dos anos 90, podem ser considerados fatores incentivadores do modelo atual. Segundo Manuel Castells, essas “novas tecnologias não são simplesmente ferramentas a serem desenvolvidas, mas processos a serem desenvolvidos” (CASTELLS, 2000). Entretanto, como o próprio autor afirma, vale ressaltar o peso certo desse chamado “determinismo técnico” que, embora incentivador do processo colaborativo no jornalismo, não pode e não deve ser entendido como critério único. Outros pontos devem ser levados nessa abordagem, como o contexto histórico e social já superficialmente mencionados.
 
 
 
A alteração do processo jornalístico
 
A arquitetura da participação em rede de certo encoraja a construção em co-autoria, e em uma das análises possíveis, baseada em dois caminhos: a inserção de conteúdo de forma paga ou a participação comunitária e voluntária. A última, conhecida também no jargão como “web 2.0”, traz consigo o conceito de usuário-interagente como adicionador de valor – ou posto de outra forma, conteúdo. E é ela que altera o processo jornalístico. Como afirma Zygmunt Bauman, “só duas autoridades são capazes de conferir segurança aos juízos que pronunciam ou manifestam em suas ações: a autoridade dos espertos, ‘pessoas que sabem‘ (cuja área de competência é excessivamente ampla para ser explorada e testada pelos leigos), e a autoridade do número (na suposição de que quanto maior o número de pessoas menor a chance de que estejam errados)” (BAUMAN, 2003).
 
Essa autoridade do número, encarada aqui como massa, é que colaborou na alteração desse modelo jornalístico tradicional - embora agindo individualmente em suas práticas colaborativas, compete ao “movimento” sua legitimização. Com isso, a lógica de produção de notícias, e do processo comunicacional, supera o modelo transmissionista emissor-meio-mensagem-receptor, já que o último, o usuário-interagente, também passa a ser o produtor de conteúdo. Essa descentralização da emissão, e principalmente do poder sobre o conteúdo da mensagem, possibilita a pluralidade de fontes informacionais e uma efetiva interatividade em um meio de comunicação – seja ele um blog ou um site de notícias colaborativo.
 
 
 
Exemplos mais conhecidos
 
Entre os exemplos de sucesso mais conhecidos da prática colaborativa na produção de notícias estão o Slashdot (http://slashdot.org), o Ohmynews (http://english.ohmynews.com/), a Wikinews (http://pt.wikinews.org/) e, no Brasil, o CMI (http://www.midiaindependente.org) e o Overmundo (http://www.overmundo.com.br/), que em sua apresentação traz um resumo auto-explicativo sobre suas expectativas: “O Overmundo é um site colaborativo. Um coletivo virtual. Seu objetivo é servir de canal de expressão para a produção cultural do Brasil e de comunidades de brasileiros espalhadas pelo mundo afora tornar-se visível em toda sua diversidade. Para funcionar, ele precisa da comunidade de usuários sempre gerando conteúdos, votando, disponibilizando músicas, filmes, textos, comentando tudo e trocando informações de modo permanente”.
 
Já o Slashdot, fundado nos primórdios de 1997, tem um conteúdo segmentado, com foco em temas como tecnologia e informática. Com o passar dos anos, a consolidação do jornalismo colaborativo e dos assuntos ligados a ele, o portal assumiu a posição de referência na área. Além da participação com notícias, o Slashdot tem espaço para a discussão das notas, se tornando um local de “fóruns” especializado.
 
O Ohmynews foi criado em Seul em um contexto em que conglomerados midiáticos e famílias com influência política no país controlavam 80% dos jornais. E, na mesma linha de outros sites colaborativos, como o Slashdot e Wikinews, o projeto não figura como uma estratégia para comunicação, mas sim como uma filosofia de comunicação, com uma hierarquia de postagem diluída à horizontalidade de emissores de conteúdo. O site tem hoje cerca de 5 mil colaboradores.
 
 
 
Profissão pop
 
Desmistificando a imagem do repórter como alguém diferenciado, com um poder vocacional específico e especial, a internet possibilitou a “vocação comum”, na qual o importante para este profissional pode ser a mediação – já que fatores relevantes para uma notícia, como velocidade e importância não estavam sendo atendidas plenamente pelo consumidor da informação. “Um repórter não é uma pessoa especial. Um repórter é qualquer cidadão que queira ter acesso a notícias e repassá-las”, já comentou Oh Yeon Hon, o criador de uma dos maiores sites de jornalismo colaborativo, o Ohmynews. Para ele, a velocidade é fundamental para a utilidade da notícia, assim como sua importância para grupos locais – contingente geralmente esquecido pela mídia de massa. Tudo isso promove aos “repórteres-cidadãos” espalhados pelo mundo o status de correspondente. E é nessa “função social”, no anseio de participar, muitas vezes de forma mais eficiente, que esses usuários-interagentes constroem e sobrepõem uma nova lógica para a rígida estrutura convencional. Uma estrutura que por vezes ditava equivocadamente o que de fato é notícia, quando não com fins questionáveis. “Nenhuma equipe de jornalistas, não importa seu tamanho ou competência, consegue cobrir ou filtrar a quantidade cada vez maior de coisas importantes que acontecem pelo país”, explica um dos editoriais do Overmundo sobre a relevância da prática jornalística sob outra perspectiva.
 
 
 
É o fim do jornalista?
 
Na verdade, não. O que vemos agora é a massificação da profissão, sem a chancela acadêmica, e sua infiltração na sociedade pelos pontos da rede. Nesse momento, o jornalista enfrenta uma mudança com forte tendência de consolidação nos próximos anos, que é sua transformação em vigiador/ transformador. Com a participação de usuários-interagentes na produção de conteúdo, os jornalistas passam, “a filtrar o conteúdo disponível na rede ou enviado pelos colaboradores, conhecidos como gatewatchers” (BRUNS, 2003). Um trabalho importante nesses sites, já que não há limitação de espaço, como em outros meios, e a simples participação não garante a credibilidade da informação. Há a necessidade de avaliar seu valor para determinado público. Mas essa é uma função que ainda deve ser vista com cuidados quanto as suas atividades, já que o auto-gerenciamento do sistema é que lhe compete graça e interesse. E é essa mudança conceitual que é inédita. O jornalista passa de informador para ouvinte – e ao que tudo indica só assim deve sobreviver. Será fortalecendo seu papel de mediador e agindo como editor que o jornalista poderá ter uma ação fundamental para a construção de empreendimentos descentralizados, sendo essa sua diferenciação frente ao público.
 
Mesmo assim, a produção em massa traz também resultados em massa e, se podemos discutir a validade da análise da credibilidade das informações, seu papel de mediador como facilitador do sistema é importante. Tudo isso, vale ressaltar, já valida o usuário-interagente como fonte de base, algo que era discutível no meio até pouco tempo atrás. Posto dessa forma, para que se mantenha será preciso ao jornalista atuar assim e, muitas vezes, divulgar isso como propaganda à uma comunicação efetiva. Como afirma Alex Primo: “a interatividade já é apresentada como argumento de venda. A interatividade de um registro é a medida potencial a interação e a mesma só é possível pelo processo dos interagentes” (PRIMO, 2004).
 
Embora mesmo que essa “vendagem marketeira” do modelo colaborativo exista, e a medição seja visto em alguns casos como prejudicial ao conceito em si, a moderação do jornalista deve ser encarada como uma vantagem na organização de portais com grande número de acessos e decisiva para sua perpetuação eficaz. Especialistas de diversas áreas da comunicação atestam a valorização desse profissional nesse sentido, agindo em função da localização e lutando, mesmo que parcialmente, por uma certa credibilidade ao encontrado. A longo prazo, o acesso facilitado a informação procurada e o incentivo à participação podem transformar ainda mais o meio e o processo comunicacional de modo geral, alterando de vez o modelo tradicional e o perfil de exigências do internauta. “A mudança ocorre quando os dois agentes se unem, formando um terceiro agente composto, com um terceiro objetivo que não corresponde ao objetivo de nenhum dos agentes anteriores.” (ANTOUN, 2007)
 
 
 
Considerações
 
É difícil retirar alguma conclusão fechada sobre o tema, os benefícios e desvantagens que esse modelo oferece, mas algumas considerações são possíveis fazer. Para começar, em suma, mesmo aquilo que o mediador-jornalista pode vender como atrativo, na verdade não depende dele para existir. A prática colaborativa é independente. A função desse profissional, colocado de outra maneira, será o de facilitador desse modelo. Parece pouco, mas no universo da web, unir dois pontos com interesses comuns (o usuário e sua notícia) pode ser básico para o desenvolvimento da interação. Com isso, a possibilidade de interatividade, e o jornalista, garantem ao interagente a liberdade mínima para o jornalismo participativo:
 
  • construção livre;
  • disponibilização sem censura;
  • leitura, apropriação e distribuição permitida
 
Todos esses são fatores que “libertam” os interagentes não só do formato e do conteúdo tradicional, como também proporcionam o estímulo para novas notícias e o compartilhamento do conhecimento. Por fim, o que de fato é notado na prática colaborativa no jornalismo é o aprofundamento das liberdades em decidir o que e como é a notícia, em uma saída do estado passivo de consumidor resguardado, sem poder de interferência em seu ambiente, para produtor ativo de conteúdo e compartilhador de conhecimento.
 
Essas novas tecnologias trazem então contribuições importantes, em especial no tema abordado que é o trabalho jornalístico. A velocidade da rede foi crucial para a quebra de paradigmas nos processos de produção do conteúdo. Sem voltar ao tema do determinismo técnico, essa alteração de uma ferramenta de suporte que é a rede para um mecanismo de base, fundamental para essa nova visão do que é imediatismo e cobertura real, trouxe a criação de novos “meios de se fazer”, que por sua fez alteraram até os modelos que, na teoria, não sofreriam o impacto de uma nova mídia – como os jornais impressos. Acima da discussão se se trata de um meio que tem um fim guardado na história da comunicação, os jornais impressos trabalham hoje como camaleões – mudando estrutura textual, layout e foco de apelo. Não é estranho argumentar que de fato alguns mecanismos de sucesso na rede podem e devem ser trazidos para o impresso, como o texto ágil e distribuído, mas o que se vê é a total tentativa de transformação do meio. Os jornais querem, são pautados e buscam ser hoje algo que não são: interativos e simultâneos basicamente.
Com o jornalista, o desafio é o mesmo: vencer a comodidade de se render ao simples modelo fácil de construção e trabalhar, de fato, como aliado da rede e facilitador dela. Não que sua função seja mais passiva ou obediente ao conteúdo que se é entregue. Para o jornalista, o importante é compreender que o jornalismo colaborativo é, na realidade, um jornalismo melhor, mais compartilhado e, sobretudo, mais plural.
 
 
 
REFERÊNCIAS
 
ANTOUN, Henrique e PECINI, André. A web e a parceria. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Cibercultura”, do XVI Encontro da Compôs, 2007.
 
BRAMBILLA, Ana Maria. A reconfiguração do jornalismo através do modelo open source. Famecos/ PUC-RS, 2005.
 
BRAMBILLA, Ana Maria. A identidade profissional no jornalismo open source. III Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo, 2005.
 
MOURA, Catarina. O jornalismo na era Slashdot. Peer-to-peer Work Group (http://www.p2pwg.org), 2002.
 
REILLY, Tim. What is web 2.0. Publicado em http://www.oreilly.com, 2005.
 
CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócis e a sociedade. Jorge Zahar Ed., 2003.
 
BREIER, Lucilene. Slashdot e os filtros no Open Source Journalism. Trabalho disponível na Biblioteca de Ciências da Comunicação (http://www.bocc.ubi.pt/).
 
PRIMO, Alex. Enfoques e desfoques no estudo da interação mediada por computador. In: Cultura em fluxo – novas mediações em rede, 2004.
 
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Jorge Zahar, 2003

 

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